Macaé, 22 de abril de 2014
Não deixa um vão nem para um talvez. Triste foi o menino quando aprendeu a dizer não. E diziam antes que não aprenderia nunca! Sim, as pessoas erram predições; oráculos que se quebram de tão perfeitos. Estátuas gregas, Vênus de Milo, amputadas de tanta perfeição. Assim são as suposições do futuro. Assim são os planos e panos(...)
Não adianta correr, jovem: você vai perder um pouco de si: desse ideal empinado e lustrado ecoando de dentro dessa testa oleosa, enfeitada com olhos e cabelo. Não passa de um grande e peludo fantoche de carne.
Foi a madrugada. Uma bela manhã, acordei. Acordei inteiro: colado, remendado. Mas inteiro. Não sabia o que fazer com tanto eu, tanto mim, tanto meu. De tão eu, em mim, virei uma ilha! Lá estava o espetáculo despontado no horizonte dos olhos vis, pronto para encenar uma nova descoberta! O que esperar de um tempo onde todos os navegantes são cegos?
Permanece então a poesia. Com sua significância leve e ousada. Sim, não há poesia incapaz de invadir o corpo pelos olhos, colar nas entranhas dos órgãos, ceifar essa ilusão besta de que você está sozinho. É tudo mentira. Os únicos honestos são os espelhos. Que seriam de nós sem as pontas de aço brilhantes? Pedaços de metal frio, onde nos vemos de verdade!
Me via todo dia sem alguns pedaços. Mas assim, inteiro, viro um herói. Ou um vilão, quem sabe. Ninguém sabe de de um bom bocado dessa merda toda, que insiste em feder! Ou ninguém quer saber. Só eu, masoquista. Eu sádico, sátiro. Eu sei de tudo quando me debruço meia noite pra escovar os dentes, antes daquele falso descanso. Contudo, canso: a gente passa o dia mentindo que "é tudo pelo outro". Não é.
Quem é você? Quem sou eu? Eu sou uma ilha vulcânica, que se cresce sobre o oceano. Se devasta e se renasce com raiva. Eu expando. E você, do outro lado do mar, só acha que sabe. De tanto saber, viramos isso, esse mapa viking de continentes estranhos e monstros marinhos.
Juro por todos os anjos: não sei o que fazer com tanto eu. 20 segundos de coragem insana geralmente consertam tudo. Ou fodem tudo. Não importa. Importa o movimento. A transcorrência dessa porra toda. A expectativa estranha de um velho enfeitado de novo, um filme onde mudam as falas mas o roteiro é exatamente o mesmo.
Nesses pequenos momentos eu preciso transbordar(...)
Há momentos, eternos, impagáveis em sua vida. Alguns deles não passam mesmo de momentos. Alimentar uma nostalgia ou apelar para uma convivência hipócrita não vai mudar os fatos; de nada adianta nadar contra a corrente na linha do tempo.
Certo mesmo é manter a distância, pra não estragar todo esse "lindo". A arte da restauração é funcional nas obras de arte, quadros, paisagens e objetos inanimados, ou até em corpos que, por ocasionalidade, tenham sido deformados e são remendados pela medicina. Tudo arte. Mas nada disso é funcional nas sentimentalidades humanas. A afinidade de espíritos é mesmo algo delicado e caro. Eu posso perdoar fulana mil vezes e não conseguir perdoar fulano apenas num deslize. Em qualquer momento, eu posso sentir que o arrependimento não é sincero. É fuga de alguma coisa que não me cabe julgar.
Onde não há troca, não há nada. Seja essa talvez a teia do destino, equilibrando aranhas tecelãs, sugadoras de sulcos do espírito, definhando excessos intrínsecos e imperceptíveis.
Mas a pérola falsa são os interesses comuns; quando disfarçados de amizade, ou remendados de carências, ou ainda de vantagens ou "portais" para qualquer novo momento ou pessoa. O que dizer desses enganos? - me pergunto no momento em que o véu da caverna revela as sombras da verdade. Não direi nada: não é preciso narrar o que está subentendido.
A verdade é que um mergulho, profundo, nos pensamentos, opiniões e objetivos das pessoas pode afogar, fatalmente, esperanças de qualquer relação honesta de amizade e companheirismo. Surpreendentemente tenho amizades que achei que seriam ralas e breves, mas se perseveram por anos. Outras findam anos depois. Outras (poucas), fincam seus pilares para além da morte e da vida, mesmo com toda corrosão do tempo e das horas incessantes, do verbo e dos martelos implacáveis das circunstâncias.
São os mistérios da existência... as raízes ocultas de nossas árvores. Nesse percurso é preciso estar sempre chuvoso de bons sentimentos e expectativas melhores, pois o deserto do engano está à espreita nos horizontes da própria existência e de todas as suas relações.
O perdão? Deixo o perdão apenas para os enganos. O resto, deixo para os anjos.
"A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro." Platão
Por um mundo mais bonito!