É esquisito, podar a árvore para que ela possa dar frutos. Mais esquisito ainda quando você vê essa poda acontecendo em você, em seus galhos, e se vê obrigado a varrer as folhas secas do jardim, mesmo quando elas possuem aquele tom de decoração, aquela dramaticidade gostosa do outono. Mas o outono acaba e é preciso ver a grama verde. Não nos bastamos em nada, precisamos estar girando as alavancas do mundo à nossa volta, como quem gira, enguiça e encaixa engenhocas. Mas essa velha máquina tem limites, espaços, vãos entre os dedos, e certas coisas nos escapam. O que não se move por si só, não tem vida própria. Não garante seu lugar em lugar algum, menos ainda no coração. Deus me livre ser uma folha morta ao sabor do vento, passeando em milhares de jardins, varrido de tempo em tempo ao sabor amargo de qualquer lugar. Deus me livre ser uma peça velha, em desuso; obsoleta pela própria existência. É preciso se renovar para continuar vivendo, se amputar de velhos hábitos, se despir de lamentações. Umas poucas coisas, eu garanto, serão pra sempre. Laços de espírito. Mas outras devem partir, devem seguir o vento, enquanto eu finco as minhas raízes, bem fortes no solo, pois é esse o único modo de alcançar o céu: crescendo.
Foi dada a largada. "Largada".
Que sejam os melhores frutos, e que o mar me seja generoso nesse novo lançar de rede.