8 de set. de 2013

Uma metáfora perturbadora...


"Suponha que eu saia agora, escolha uma pessoa qualquer na rua, de modo fortuito, agarre em sua mão e a acompanhe lado a lado com o objetivo de agradá-la. “O que você gostaria de comer? Curtiu aquele sapato? Você tá bem hoje? Aceita um banho bem quente assim que voltar para casa?”

Suponha que eu não desgrude mais dessa pessoa, por meses, décadas, e que não faça nada além de me dedicar a montar uma vida na qual ela seja feliz.

“Quer namorar? Tudo bem, procuro outra empresa. Vamos comprar uma cama nova? E como está seu extrato bancário? Dá uma lida nesses textos, precisamos escolher um psicólogo.” Suponha que eu me interesse tanto pela vida dessa pessoa, que eu sinta raiva de quem a maltrata, ciúme quando seu namorado desvia o olhar, orgulho de seus feitos, inveja das alegrias alheias.

Aceito, me identifico, concordo com tudo o que ela pensa e fala, como se essa pessoa fosse meu centro de gravidade. Brigo e a culpo, porém me sinto culpado junto. Pago por cirurgias plásticas assim que ela começa a se sentir feia. Eventualmente enxergo e beneficio outros seres também, mas só aqueles relacionados à pessoa, que ela chama de meu ou minha alguma coisa.

Na verdade, tenho muita dificuldade em ajudar essa pessoa. A gente combina de cortar tais e tais hábitos negativos, a gente se planeja, mas muita coisa fica parada. Não importa o quanto eu a entulhe de experiências, sempre acabamos frustrados, insatisfeitos. É um relacionamento que me exige muito! Mesmo assim, eu não consigo mais imaginar minha vida após a morte dessa pessoa.



OK, enquanto você ficou imaginando toda essa história, te pergunto agora: me achou maluco, fixado? Ficou abismado, sem entender por que eu desperdiçaria todos os dias da minha vida correndo atrás dessa pessoa?

É absurdo considerar a ideia de me agarrar e me tornar serviçal perpétuo de apenas uma pessoa, mas parece perfeitamente natural quando essa pessoa sou eu. Seguir impulsos, emoções, crenças e visões de mundo de outra pessoa é escravidão… no entanto, o que muda quando essa outra pessoa por acaso é você?

Pois é assim, igualmente agarrados, que vivemos. Não somos nem um pouco diferentes.

A boa notícia: dá para soltar as mãos dessa pessoa que nos acostumamos a mimar, olhar bem ao redor e direcionar nossa atenção e nosso tempo a estranhos, desconhecidos, incontáveis pessoas que nunca habitariam nosso mundo, mas cujas vidas estão ali, escancaradas, para a participação de todos.

É quando minha vida deixa de ser minha que ela começa...."