31 de out. de 2012

"Pé-rogativo" (Ou o infinito pecaminoso)


Rio de Janeiro, 24-10-2012

Pés. Pés que tremem. No ressoar de um tambor oco e mórbido, tocando de leve ansiedade do tempo que não passa.
Você se sente melhor? Ou o que ainda sente é a mesma coisa? O que fica mais fácil agora, com esse coração pisado, esquisito, cheio de falhas e incisões, cortes e tensões? Se sentir bem depois de tudo é encontrar um réu; é preciso alguém pra culpar, e você tem! 
Você fala de um amor, uma vida completa, um sonho poético, uma eternidade dita e concreta - mas tudo o que eu vejo é a necessidade de uma noite. Quando se ama é preciso compartilhar até a última gota... o amor, egoísta como é, te abandona se você não cuida dele...

E eu, te desapontei? Deixei algum gosto ruim em sua boca? Você age como se você nunca tivesse amado, e quer que eu continue sem amor... bem, é muito tarde, pelo menos nesta noite, para trazer o passado à tona: nós somos um, mas não somos os mesmos. Ao invés de sermos um, temos que carregar um ao outro! Quase um pesadelo sem fim, sem fins.

Você veio aqui pelo perdão? Veio levantar os mortos? Veio aqui brincar de Jesus, curar leprosos na sua cabeça? Que milagre é esse de que você tanto fala, rogando sem métrica e sem rima as doces palavras que deveriam ser purificadas em nossas lágrimas? Que profecia é essa que todo dia deveria se cumprir um pouco. Mas não. Corta, afunda. Desola.
O que eu pedi foi muito? Você não me deu nada, e nada era tudo o que tinha. Ninguém pode me culpar por seguir em frente, mesmo que me chicoteando por minhas próprias significâncias. Só quem sangra sabe a dor da carne cortada, e quando se corta algo, perde-se um pouco de si pelo caminho. Somos um, eu e você, mas não somos os mesmos. Se já nos ferimos antes, vamos nos ferir de novo. Porque, no fundo, não há problemas na repetição. 
Somos dois infelizes, contemplando a vida passar. Eu e você. Melhor definição não haveria. Estamos há tantos anos bêbados da eternidade, afogado em um abismo quase infinito de mágoas e impossibilidades, correntes barulhentas que nos ensurdecem de nós mesmos. Era só isso, nada mais. 
Um dia deixamos de nos ouvir. Naquele velho texto repetido que amar é estar um no outro, sentir um ao outro sem precisar se tocar. E nessa, acho que ficamos, eu e você, presos um no outro, acorrentados em queda livre no abismo um do outro. Um grito de queda profundo, que ecoará pelo passar dos séculos. Sim, a eternidade não é brincadeira. Eu vejo tão pouca gente deixando de si no outro qualquer coisa prestável. Se tatuando na alma idéias de beleza, estrelas, aquela primeira centelha da chama que começa. Fica pra sempre, é começo e fim. Cheguei a pensar que éramos melhores, que éramos diferentes. Que estávamos nas estrelas contemplando o mundo lá embaixo. É preciso a queda pra sentir a graça de estar no alto e que seja essa então a grande ironia da vida!

Suas palavras: O amor é um templo, o amor de uma lei maior; você me mede, cede, pede para entrar, mas depois você me faz rastejar. E eu não posso carregar o que você tem, quando tudo que você tem é dor!

Cordialmente, definitivamente, Rodrigo S. Simões