2 de jul. de 2016

O navio


Sou navio. Tenho algumas âncoras. Às vezes o navio segura a âncora. Outras vezes a âncora segura o navio. O navio anda pouco. O vento sopra, mas os motores revertem. As velas só quando a energia acaba. E as âncoras o mantém no lugar. Não tem nenhum porto seguro. Dificilmente está desorientado: os anos me ensinaram a ter direção. O navio navega, separa, despede, descobre novos continentes e ilhas. Enterra tesouros, transpõe o intransponível. O navio segue. Tão cheio de incertezas. A tempestade faz o navio tremer. Mas ele segue. Trepida nas ondas. Se guia pelas estrelas e astrolabios. Tem poucos passageiros. Eventualmente alguém no leme -- Eventualmente. O que faz parecer um navio fantasma. Pirateia, pilha, afunda os inimigos. O navio desvia mas peleja. E os tantos que vão ficando nos portos. O navio segue. Segue com um pesado carregamento de saudade, alguns temporais engarrafados e envelhecidos, ouro, vinho e lembranças. O navio segue. Chega e sai. Olha você: só não vai perder o navio! Porque ele segue. E às vezes não volta nunca mais...