12 de jul. de 2016

Saturno



Tinha uma grade no coração. Não era possível transpassar. A grade era indestrutível. Já tinha se nutrido de uma vida inteira de ideais falhos, cacos de sonhos e desculpas. O tempo, implacável, reforçou com limos endurecidos. A paisagem cinzenta reforçava as condições medíocres. Os valores falsos cimentavam as vigas. Pintava uma coisa ou outra de uma cor: família, amigos, imagens. Tudo desbotava porque a grade ficava na frente do coração, que de tão preso, já mal batia; apenas cumpria a função pesada de levar a vida. Quando me deparei com essa paisagem, vi uma flor. Ela foi linda, por um tempo. Reguei, adubei, cuidei e dei alguma luz e calor. Murchou. Quando virei de costas vi dois cometas: um era o amor, que inevitavelmente destruirá essa grade. O outro era a infelicidade, que destruirá tudo. Saí, chorando daquele planeta, onde viveria. Onde havia tudo para haver vida: menos a perspectiva - a esperança ficou presa na grade e morreu com a flor. O ditado estava certo, ela foi mesmo a última a morrer... No espaço, frio, onde será que vou pousar agora?