26 de jan. de 2017

Causa Mortis: indiferença


Epílogo - Causa Mortis: indiferença 

...a resposta era que fazia isso para morrer mais rápido. Já não via saídas. Já não via um papel a desempenhar nessa vida. Já não havia mais escolhas exceto as muito ruins. Então decidiu que o fim se iniciaria. O efeito borboleta de todo amor desprendido de seu espírito havia deixado um buraco irreversível. Curar um espírito é algo difícil. Quase impossível. Quase milagroso. E como também já não era possível acreditar em milagres, e nem sabia exaltar o banal e transformar o simples no trivial fino que alimentaria sua vida, como era comum a todos os mortais, abdicou da eternidade. Começou ali, naquele dia, naquela varanda, a morrer. Uma morte lenta, cruel, mas sempre intencional. Sempre planejada, milimetricamente. Virou à estibordo em direção ao abismo. Como só ele sabia fazer. Ninguém mais poderia salvá-lo. Ninguém mais poderia enxergar o vácuo em seu coração. Ninguém nem sequer era capaz de ver suas lágrimas. Tornou-se então uma bomba relógio. Um naufrágio inevitável. Sabia mais que tudo, que não morreria de amor. Morreria da falta dele. E, a cada segundo, cada palavra, o fim se aproximava. A agonia crescia em seu peito, quase cobrindo o buraco da doença que lhe consumia o espírito. A carne, embora fresca e desejável, já não mais refletia o que carregava o espírito. O sorriso era forjado na obrigatoriedade. Até o verbo ficou artificial. O silêncio se tornou seu melhor amigo. Apenas a escuridão e os ecos demoravam o caminho. Nada mais poderia ser feito. Uma órgão vital havia lhe parado no corpo: a esperança.

13 de jan. de 2017

Se puder sem medo...


​Se puder sem medo​

Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim o meu verdadeiro abrigo
Deixa a luz do quarto acesa a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio
Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás a porta
Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora a dor no coração se expande
Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa a dor que eu lhe causei agora é toda minha
Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente mas eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava
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12 de jan. de 2017

"CL"

"Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária."


11 de jan. de 2017

She comes...

No final, ela sempre vem.
Ela sempre aparece.
Ela sempre vem.
E minha tormenta começa...



De minha prisão, eu podia ver. Eu podia vê-la me espreitando. Refletindo.



Quando a lua se enche de brilho é que as vozes ficam mais altas...

Oração em vão (capítulo final)


Passa, tempestade, que eu não quero mais chorar. Passa, passa rápido, ligeira, pra eu não ter que ir pra lá... 
Passa, chove logo: limpa minha calma dessas lágrimas que ardem, e me mancham lá na alma. Cicatriz, a ferro e fogo, passa a dor e passa o sopro, desse vento vão e cão, que me levou de mim. 
Passa, troveja a trova; solidão não faz barulho. O trovão já não me assusta. E da noite só as nuvens, evaporam robustas e injustas, levando nosso amor.

Indiferença.

Passa num relâmpago, me tira dessa dor. Passa fundo e varre a poeira desse temor. Meu medo vai me devorar...
Passa, passa rápido, quer eu quero ver minha constelação, indagar a criação, dessa vida e sua oração.
Passa, anda, corre! Sai de dentro dos meus olhos! Tira da minha cara esse orvalho, de amargura e de cansaço. 
Devolve minha força!
Devolve minha vontade!
Antes que eu me distorça. Antes que eu me acabe...

Indiferença.

Restaura o meu corpo. Cura meu coração. Deixa o sol entrar de novo pela janela, consagrado, puro e limpo.
Mas a nuvem não sumiu. E nela eu sumi. De nós, ficou a piada maior: só você é de verdade. E eu evanesci.

Indiferença.

Vez em quando vou chover, no seu teto estrelado. Lá de longe, lá do céu, lembrará do ser amado.

Desse mundo eu sumi. E a nuvem ficou. Sou agora um sei lá o quê, sem corpo e sem coração. Talvez a poeira que tanto me intrigou no céu.
Te prometo minha ausência. Te prometo eterno silêncio. Te prometo minha clemência. Só não te prometo amor: foi ele quem me levou.

Indiferença.

R.

4 de jan. de 2017

#1941


"Tenho a certeza de que estou novamente enlouquecendo: sinto que não posso suportar outro desses terríveis períodos. E desta vez não me restabelecerei. Estou começando a ouvir vozes e não consigo me concentrar. Por isso vou fazer o que me parece ser o melhor.

Deste-me a maior felicidade possível. Fostes em todos os sentidos tudo o que qualquer pessoa podia ser. Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes até surgir esta terrível doença. Não consigo lutar mais contra ela, sei que estou destruindo a tua vida, que sem mim poderias trabalhar. E trabalharás, eu sei. Como vês, nem isto consigo escrever como deve ser. Não consigo ler.

O que quero dizer é que te devo toda a felicidade da minha vida. Fostes inteiramente paciente comigo e foi incrivelmente bom.

Quero dizer isso — toda a gente o sabe. Se alguém me pudesse ter salvo, esse alguém terias sido tu. Perdi tudo menos a certeza da tua bondade. Não posso continuar a estragar a tua vida.

Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes do que nós fomos."